EDITORIAL


Quando eu me poupe a falar,
Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar!
José Régio


Aqui o "Acordo Ortográfico" vale ZERO!
Reparos ou sugestões são bem aceites mas devem ser apresentadas pessoalmente ao autor.

20140716

A Feira de Viseu


A antecipação do início da Feira de "São Mateus" deste ano é apenas de um dia e dois dias, comparativamente a 2013 e 2012. A data da abertura de feira, pelo menos desde o início do novo milénio - 2001, foi sempre o dia 14 de Agosto. No mesmo período e até 2011 o dia 21 de Setembro, “Dia de São Mateus” foi o último do certame. Em 2013 a feira terminou em 22 de Setembro e a edição de 2012, no dia 23. Em ambos os casos o encerramento foi num Domingo, facto que terá justificado o prolongamento do evento. 
Em 1511 a Feira Franca de Viseu autorizada e beneficiada por D. Manuel I, realizava-se  na época das vindimas [saber +]. Durante séculos toda a vida era regulada pelos ciclos agrícolas e a feira era muito frequentada por vendedores e compradores de produtos da terra, alfaias agrícolas, arreios, selas, albardas, vasilhas para o vinho e muitas outras mercadorias. Na actualidade a venda de vasilhame continua mas a madeira deu lugar ao inox. Naturalmente a Feira Franca de São Mateus esteve sempre muito ligada à agricultura e à criação de gado, lembro-me de na década de 1960 se realizarem feiras de vacas, concursos de pecuária e dos ciganos que negociavam burros.
A feira em 1927 continuava a realizar-se de acordo com autorizado do por D. Manuel I, na segunda quinzena de Setembro. Mas desde o início do século que estava cada vez mais decadente, devido à crise provocada pela I Guerra Mundial, à instabilidade política e principalmente pelas profundas alterações verificadas na circulação de pessoas e mercadorias, graças à melhoria da rede viária e sobretudo aos caminhos-de-ferro. O Capitão Almeida Moreira [saber +] defendia a modernização da Feira Franca, há vários anos, em artigos publicados na Imprensa local e como homem inteligente, culto e viajado lançou a ideia de transformar o evento numa feira para exposição e venda dos melhores produtos não só regionais mas de todo o país e vocacionada para a promoção turística da cidade.
Uma Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Viseu, a revolta militar de 28 de Maio de 1926 colocou o país nas mãos dos militares, presidida pelo Tenente–Coronel António Lopes Mateus, nomeou uma comissão para apresentar um plano para revitalizar a feira. Almeida Moreira fez  parte da equipa acompanhado pelo Major Alfredo Gil e o Capitão Porfírio Hipólito da Fonseca. O plano foi aprovado e posto em execução, nesse mesmo ano e teve continuidade. O espaço da feira viria a ser ordenado, a qualidade das barracas passou a ser controlada, foram criados pavilhões modernos e artísticos para exposições, organizados concursos e atribuídos prémios. Também começaram a ser instalados nas entradas grandes arcos decorativos, iluminados com lâmpadas eléctricas e colocada iluminação festiva no recinto. A facilidade e a segurança de circulação dos visitantes no interior da feira passou a ser muito importante. O evento começou a ser divulgado através de cartazes artísticos, distribuídos com semanas de antecedência por todo o Portugal. A Comissão de Iniciativa e Turismo de Viseu que tinha Almeida Moreira, como Aministrador-Delegado, foi chamada a colaborar com a Câmara Municipal e a Junta Geral do Distrito, para organizar e financiar a feira de 1928, foi nesse ano que o Campo de Viriato foi regularizado e arborizado. Os espectáculos eram assegurados pelas bandas do Regimento de Infantaria 14 e do Asilo de Santo António. A barraca do Sr. Luciano além de bebidas e confeitaria organizava sessões de cinema ao ar-livre. Também foi possível apreciar números de circo e organizadas provas desportivas. O Monumento a Viriato erigido em 1940 [ver] foi financiado com a venda de bilhetes na feira, no “Dia de Viriato” e o escultor (Mariano de Benlliure) foi escolhido por influência do capitão que faleceu em 1939. Almeida Moreira manteve-se na comissão organizadora até à realização da edição de 1935 que apresentou contas equilibradas e saiu com a certeza que tinha contribuído para a existência de uma “nova feira”, um evento que combinava harmoniosamente o negócio, a diversão e o turismo.
Nas últimas décadas aquilo que se verificou foi o desvio desse modelo com: alterações na duração e no calendário, utilização de alguns espectáculos, apenas para aumentar o número de visitantes que não tem sido limitado e nos dias de maior movimento, torna difícil a circulação, as visitas aos stands, a visão das mercadorias e dificulta a assistência aos espectáculos. Os dias com entradas pagas são cada vez mais e nos últimos anos, variáveis segundo o programa (mais caros), verificou-se um aumento do número de feirantes, alguns com mercadoria e barracas (tendas) de muito má qualidade.
A requalificação do espaço financiada pelo programa Polis não cumpriu os objectivos desejados e até colocou uma perigosa linha de funicular no recinto. A EXPOVIS todos os anos tem andado a engendrar inovações mas até agora não conseguiu reconciliar os viseenses com a sua feira. Para melhorar a feira bastava seguir as lições do Capitão Almeida Moreira que teve o cuidado de visitar outras feiras e até deslocar-se a Paris.

Fonte principal: ”Almeida Moreira e a renovação da Feira de São Mateus (1927-1935) de Luís Silva Fernandes, no Programa Oficial de 2013
Imagem: A foto dos anos 10 ou 20? - Bilhete Postal, editado pela "Tenda dos Artelheiros", circulado em 5-4-1935 de Arzila, (antiga freguesia do Concelho de Coimbra) para Coimbra.